Autonomia garantida

Antonio Gavazzoni

Quando um filho decide por conta própria sair de casa para morar sozinho, o mínimo que os pais esperam é que ele tenha autonomia financeira para pagar suas contas. Caso não tenha, é bem provável que os pais se sintam à vontade para dar palpites na forma como eles gastam o dinheiro que lhe é dado. Em uma federação de estados autônomos, como o Brasil, não é diferente. A autonomia em relação à União é proporcional à capacidade do Estado se virar sozinho, ou seja, com receitas próprias ou até mesmo de financiamentos, mas com pagamentos em dia.

Essa realidade nunca esteve tão evidente. Com vários entes à beira da falência e outros já falidos, estamos vendo a corrosão da autonomia de grande parte dos Estados brasileiros. É verdade que alguns já tinham uma dependência financeira forte em relação à União, mas essa é outra história. O projeto de lei de recuperação fiscal dos Estados, enviado pelo Governo Federal à Câmara dos Deputados na semana passada, impõe uma série de contrapartidas para que a União socorra os entes quebrados. É o caso, principalmente, do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul.

Já batizado de Lei da Falência dos Estados, o projeto prevê praticamente uma intervenção do Governo Federalna administração daqueles que solicitarem o socorro. Para poderem suspender o pagamento de suas dívidas com a União por três anos, prazo que pode ser prorrogado por igual período, os Estados terão que autorizar a privatização de suas empresas estatais, não concederbenefícios fiscais aos empresários e reduzir os já existentes, congelar os salários e elevar as contribuições previdenciárias dos servidores.

E tem mais. O Estado que aderir ao socorro também terá a “intervenção” de um conselho formado por integrantes dos ministérios da Fazenda e da Transparência. Os conselheiros serão uma espécie de fiscais. Com acesso irrestrito aos dados financeiros do ente federado em questão, eles terão a prerrogativa de solicitar a suspensão do acordo com a União caso haja descumprimento das contrapartidas. No caso da venda das estatais, o banco que conceder financiamento em troca de antecipação de receita da privatização poderá indicar um diretor da empresa.

Não é a primeira vez que uma crise corrói a independência administrativa e política dos entes da federação. Em 1968, a crise política que resultou no golpe militar em 1964, levou praticamente à extinção da autonomia dos Estados. De lá para cá ela foi sendo construída a duras penas. Ainda tínhamos muito a avançar para conquistá-la de fato. O retrocesso que vemos agora tem uma causa: desajuste fiscal. Sim, a culpa não é da crise econômica e seu impacto nas arrecadações, mas dos estados que não se prepararam para ela.

Em Santa Catarina, felizmente não precisaremos recorrer à lei da falência dos estados. Pagaremos nossa dívida com a União da mesma forma que honramos nossos compromissos com fornecedores e servidores públicos. Nossa independência foi conquistada com responsabilidade, antecipando ações que hoje são cobradas pelo Governo Federal, como a reforma da previdência. Podemos nos orgulhar: nosso compromisso é com a sociedade catarinense e a contrapartida será continuar oferecendo serviços de qualidade ao cidadão que paga seus impostos.

Por: Antonio Gavazzoni

Doutor em Direito Público
Secretário de Estado da Fazenda
contatogavazzoni@gmail.com

*Coluna publicada no jornal “O Celeiro”, Edição 1468 de 02 de Março de 2017.

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